15 agosto 2012

39 - Notícias


Era uma tarde de terça-feira e o tempo estava agradável. O verão tinha dado uma trégua no forte calor. No dia anterior, chuva, raios e trovões eram o cenário de fim de tarde e uma frente fria encaminhava-se para deixar o dia mais ameno. 
Sara e Carolina conversavam em tom baixo no balcão para não atrapalhar a leitura e os estudos de seus visitantes.
Celso aparecera naquela tarde cheio de sacolas, estava pelo bairro resolvendo as últimas pendências do final de férias e resolvera encontrar com as meninas, não aguentando a ansiedade por falar com elas.
- Olha quem chegou! - falou Sara com um sorriso no rosto.
Celso levantou as duas sacolas com as mãos e as colocou na bancada, fazendo um grande barulho. Um rapaz de cabelos arrepiados que estava absorto em sua leitura levantou a cabeça em uma reprimenda.
- Xiu, Celso. Cuidado com o barulho! - advertiu Carolina.
- Carinho, me desculpe, foi um movimento rápido, não acontecerá mais. - falou Celso fazendo careta.
- Você está perdoado! - respondeu Carolina olhando as sacolas.
- O que é isso? - perguntou Sara.
- Trouxe para vocês, minhas amigas fidelíssimas! Mas antes, vão precisar adivinhar o que é! - falou Celso enigmático.
- Ah, deixa de bobagem, me dê isso aqui! - falou Sara pegando a sacola e deixando Celso irritado.
- Interesseira! - resmungou Celso.
Sara e Carolina abriram as bocas em uma exclamação silenciosa, as sacolas continham diversos presentes: camisas com imagens truncadas das protagonistas dos filmes de Almodóvar*, imãs de geladeira, sacolas de pano coloridas, canecas espanholas e dois bibelôs de bailarinas com suas castanholas e seus lindos vestidos esvoaçantes. Sara e Carolina adoraram!
- Isso tudo é para gente? - perguntou Sara.
- Sim, carinho, tudo para vocês! E este aqui, é para enfeitar nosso ambiente de trabalho. - falou Celso tirando da sacola um busto bem feito de Santa Teresa de Ávila, uma religiosa e escritora espanhola. - Uma frase muito famosa dela é: "Só o amor dá valor a todas as coisas. E o mais necessário é que seja grande o bastante para que nenhuma coisa o estorve". - Celso colava a frase de um pequeno caderninho de notas.
- Bela frase! - falou Carolina.
- Obrigado, carinho! Eu me apaixonei quando vi essa escultura e achei que era a cara da Biblioteca. Sabe que minha mãe também se chama Teresa? Dei uma imagem igual para ela.
Celso era muito religioso e ficou tão apegado à santa que toda vez que chegava e saía para o trabalho, ele acariciava e cumprimentava a santa, fazendo também alguns pedidos malucos para ela.
- Sim, Celso. Aliás, obrigada pelos presentes, nós adoramos, né, Sara?
- Claro! Fico feliz de ter lembrado-se da gente na viagem - falou Sara.
- Como ia esquecer de vocês!?
- E como foi a viagem? - perguntou Carolina.
- E o espanhol? E o romance? - perguntou Sara.
- Calma meninas! A viagem foi magnífica, andei para lá e para cá em busca de novidades, o clima daquele país é bem parecido com o nosso, mas nada como estar na Europa! Conheci muita gente e muitos turistas brasileiros também! O romance acabou junto com as férias, mas não estou triste, foi intenso como deveria de ser. Incentivou-me a ser melhor e a não ter medo de encarar novos desafios. - falou Celso, soltando uma gargalhada.
- Isso é muito bom! - completou Sara.
- E como vocês estão? Otto? Phillip? L u c i a n a? - Celso falou a última palavra com bastante ênfase.
- Ah, Luciana? Atazanando para variar... Phillip está ótimo. Nós estamos ótimos. - respondeu Carolina.
- Eu e Otto estamos finalmente bem! Demorou um pouco para engrenar, não saia do ponto morto, agora está na quinta marcha.
- Hmmm, carinho, é assim que se fala!
Quando Celso já estava de saída, o sino dos ventos toca, fazendo com que os três amigos olhassem curiosos.
- Ihh, lá vem problema! - falou Celso.
- Vamos acompanhar. - respondeu Sara.
Carolina ficou imóvel em sua bancada, esperando que a pessoa em questão viesse ao seu encontro. A figura bateu a porta atrás de si, parou por um momento, jogou um maço de cigarros vazio no lixo que ficava próximo a porta e andou calmamente até a bancada. 
- Boa tarde, Carol. - falou Roberto dando um sorriso e mostrando os dentes brancos e bem tratados.
- Boa tarde, Roberto, o que faz aqui? - perguntou Carolina desconfiada.
- Calma, vim em paz! - falou Roberto fazendo a saudação vulcana do Sr. Spock do seriado Jornada nas Estrelas.
- Hmmm, continua.
- Vim lhe pedir desculpas por aquele dia. Acho que estava devendo isso a você. - falou Roberto com sinceridade na voz.
- Acho que sim.
- Eu fui um canalha. Fiz comentários inapropriados, mas porque estava com ciúmes.
Carolina nada falou, esperou ele terminar seu discurso.
- Estava sentindo sua falta e queria ouvir sua voz, saber como você estava e se continuava a pensar em mim, mesmo sabendo que você estava com alguém. Vi vocês dois saindo da Biblioteca e achei que tinha perdido as esperanças, mas não podemos simplesmente desistir, concorda?
- Sim, Roberto, concordo, mas você foi longe demais. E não, não penso mais em você, me desculpe. Minha vida deu outra guinada depois que nos separamos. Percebi coisas durante esse processo.
- O que, por exemplo?
- Que um namoro não é para ser egoísta, que devemos ceder de vez em quando, que devemos compartilhar e saber entender o outro. Aprender a ter confiança e realmente se entregar.
- E eu não era nada disso para você?
- Não, Roberto, infelizmente não.
- Bem, em todo o caso, você também não era a namorada perfeita, você também tinha seus defeitos. Às vezes precisava de você e sua família estava sempre em primeiro lugar.
- Mas nunca desisti de você, até você jogar tudo para o ralo.
- Ok, não precisa me lembrar dos erros que cometi. Mas estou aqui para que saiba que estou seguindo em frente e que não mais te perturbarei. Estou indo para a casa do meu tio em Minas Gerais, ele e meu pai abriram uma lojinha e me querem para administrar, enquanto meu irmão fica aqui no Rio.
- É bom, vai te dar juízo!
- E se der tudo certo, arranjo um lugar só para mim. Venho para cá algumas vezes para resolver as pendências e depois sigo de vez.
- Boa sorte então! - falou Carolina séria e aliviada.
- Obrigado. Diga ao seu namorado a novidade, ele vai gostar. E olha para cá! - falou Roberto mostrando uma marca rosada perto do supercílio. - Fiquei com a marca daquela porrada.
- É bom para você nunca esquecer. Essas suas piadinhas ainda lhe darão muitos problemas.
- Eu espero que não! - riu Roberto, fazendo Carolina rir também. - É isso, o recado já está dado, você me desculpa?
- Claro que sim, Roberto. Fica bem e faça boa viagem.
- Ok! Daqui a dois dias já estarei em Minas. - Roberto pegou a mão de Carolina para um beijo de despedida. - Tchau, Carol!
- Tchau, Roberto!
E com isso, um ciclo se fecha.


*Pedro Almodóvar Caballero, é um cineasta espanhol.

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