21 agosto 2012

35 - O Tempo


Há muito tempo que Phillip não visitava os idosos no asilo e resolveu dar uma passada por lá hoje. Conseguia esquecer-se dos problemas quando ia lá, pois via o quanto dos seus problemas eram pequenos em relação aos problemas enfrentados por aqueles idosos simpáticos. 
Pediu a Ana para que buscasse as doações a fim de colocá-las em seu carro e pediu também para que ela chamasse um funcionário para ajuda-la em sua missão, pois as sacolas eram pesadas.
Saiu um pouco mais cedo do trabalho e antes de pegar o carro, verificou seu porta-malas para ver se as doações realmente estavam ali e foi para a casa, colocar uma roupa mais leve e pegar Bento. Ele, aliás, parecia saber que iria para o asilo, de tão agitado que estava.
Ligaria para Carolina quando retornasse. O tempo não estava muito bom, parecia que ia chover, ventava forte e o céu estava nublado. Quando chegou ao asilo, estava quieto demais.
Abriu a porta para Bento sair do carro e retirou as pesadas sacolas do porta-malas. Próximo da porta principal da casa, estava Castiel, esperando por Phillip e Bento.
- Olá, Castiel, tudo bem? O que houve por aqui? Tudo muito quieto... - falou Phillip.
- Não lhe contaram? - perguntou Castiel, ajudando Phillip a carregar as sacolas.
- Não, não, o que aconteceu?
- A Heidi, faleceu há dois dias, não aguentou a doença, coitadinha. - falou Castiel tristonho.
- Ah! Caramba! - Phillip lamentou colocando a mão na boca. - A última vez que vim aqui, ela me parecia bem, estava bastante comunicativa, prometeu até fazer um xale para a Carolina.
- Pois então! Ela fez o xale para a sua namorada, mas sentia muita dor, já estava impossibilitada de fazer seu crochê, coitadinha, ela não conseguia segurar uma xícara de café. De uns tempos para cá ela piorou consideravelmente.
- Uma grande perda! A família foi comunicada?
- Foi sim, acabamos de chegar do enterro, por isso você está achando tudo quieto. Estão todos fazendo um lanche, venha, vamos! Acho que você e Bento vão dar uma relaxada no pessoal. - falou Castiel com sua calça comprida bege de pescador e suas alpargatas encardidas.
- Vamos sim, quero dar um abraço em todos!
- Por que não trouxe a Carolina? - perguntou Castiel.
- Ela está no trabalho, pensei de repente em vir, não iria dar tempo para ela me acompanhar.
- Entendo. - falou Castiel abrindo a porta da casa para Phillip e Bento.
Bento entrou freneticamente no salão, fazendo as idosas darem um gritinho de surpresa. Bento abanava o rabo para todos e eles o abraçavam enquanto Phillip ia cumprimentar cada idoso daquele recinto.
- Como você está, Phillip? Sentimos sua falta! - falou Milena, a colecionadora.
- Estive tão ocupado, desculpe-me, Milena. E você? Como tem passado? - perguntou Phillip segurando as mãos de Milena.
- Você sabe, não? Estamos todos muito tristes e esperando a nossa vez de ir. - falou Milena resignada.
- Não fale uma coisa dessas! Não pense nisso, por favor! - falou Phillip em um tom enérgico.
- Mas, é verdade, cada perda que temos, pensamos em nós, estamos no fim da linha. - falou Teresa, a senhora parecida com a Dona Benta.
- Aceitar a marcha da vida é compreender os desígnios de Deus. - completou Castiel conformado.
- Mas vocês têm uns aos outros, fazem seus passeios, se divertem, nada de pessimismo, vamos lá, pessoal, mais um pouco de ânimo.
Vendo que o pessoal ainda fazia cara de desânimo, Phillip completou:
- Amanhã a gente começa então, ok? - lembrando que eles acabaram de chegar de um enterro.
- Venha cá, filho, quero lhe mostrar uma coisa. - falou Cléa, a cozinheira.
Phillip seguiu atrás de Cléa, que o levou ao quarto de Heidi. O quarto estava intacto, com sua colcha de retalhos, seu travesseiro bordado e um tapetinho que ficava ao lado da cama, que acreditou Phillip, tenha sido feito por ela também. Um tapete de crochê verde em degradé. A janela era decorada por vasos de gérberas. Dois porta-retratos com os netos enfeitavam a mesinha de cabeceira juntamente com a imagem de uma santa. Cléa abriu uma gaveta e pegou um pacote preto enlaçado com uma fita rosa e entregou a Phillip.
Cléa deu liberdade para que ele abrisse o embrulho e viu um grande xale rosa de crochê, com detalhes de pequenas rosas e grandes franjas nas pontas.
- É muito bonito, Cléa! - falou Phillip devolvendo o xale para o embrulho.
- Heidi fez para Carolina, ela sentia muitas dores, as mãos já estavam todas curvadas, mas ela prometeu a si mesma que terminaria e entregaria nas mãos de Carolina. - falou Cléa desolada.
- Uma pena ela não ter tido tempo para fazer isso. Carolina vai adorar o presente. Ela adorou Heidi. - Phillip puxou Cléa para um abraço.
- Ai, meu filho, cada pessoa que se vai aqui é um lamento só, fico muito triste, sabe? Que Deus guarde a alma dessas criaturas. - choramingou Cléa.
- Eles vão ficar bem, aposto que já estão brincando com Bento lá na sala.
- Você chegou num momento especial, estávamos precisando de uma alegria. Venha, vamos voltar para a sala.
Castiel já tinha arrumado as doações na despensa da cozinha e distribuído os outros presentes na grande mesa da cozinha. Bento estava aos pés de um idoso gordo e de cabeleira alva. Bento estava recebendo carinho e estava adorando.
As outras idosas conversavam e bebiam seu chá, outras lamentavam a perda da amiga, enquanto os idosos acompanhavam a dor.
Phillip achou que fosse esquecer-se dos problemas, mas acabou sendo traído por seus pensamentos, a dor da morte era muito pior, ficou imaginando se algum dia perdesse os pais, Carolina e Bento. Não queria pensar nisso, mas era inevitável. Não sabia direito o que era a dor de uma perda, nunca tinha vivenciado de perto a morte. Sentiu um calafrio percorrer todo o seu corpo e resolveu se acomodar no sofá e conversar um pouco mais com Castiel. Sorveu um pouco de chá que Cléa lhe oferecera e olhou para o relógio, já era hora de se despedir. Iria passar na casa de Carolina mais tarde.
Despediu-se de todos, carregando o pacote de Carolina e segurando a coleira de Bento.
Foi realmente um dia tenso e melancólico.


“Nas asas do tempo, a tristeza voa.”
Jean de La Fontaine.


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